O mundo mudou, comentou ontem um amigo cujo nome não vem ao caso. O problema do mundo, respondi, é mesmo esse. Estar sempre a mudar, tomado por uma volubilidade doentia. Não se trata disso, mas de uma mudança benéfica, uma luta contra o castigo imposto pela tentativa de construir a Torre de Babel. Os tradutores automáticos, continuou, são uma bênção. Pode-se ler com razoável fiabilidade coisas escritas em algumas línguas que não se conhecem. Tive de concordar. Habituei-me a usar esse truque com textos escritos em alemão ou nas línguas nórdicas. As traduções automáticas colocam-nos num francês ou num inglês bastante aceitáveis. É possível mesmo ler com razoável precisão prosa de ficção, isto para não falar da técnico-científica. O mundo, de facto, mudou. No entanto, isto não significa que estejamos mais próximos uns dos outros. Esta aproximação linguística talvez nos esteja a afastar ainda mais. A nossa esperança já não está em aprender uma língua, mas em haver um tradutor automático que coloque na nossa, ou numa que compreendamos, aquilo que queremos ler e está escrito em língua inacessível. Por outro lado, há uma desumanização da linguagem. É possível imaginar que, não tarda, as traduções automáticas serão muito mais exactas do que as de um bom tradutor, que conseguirão mesmo captar as inflexões literárias, as derivas estilísticas individuais, tudo aquilo que torna um texto único. A inteligência artificial aprende muito depressa. Isto piora a situação da humanidade ao cimo deste planeta. Enquanto esta se entretém em guerras e outras actividades do mesmo calibre moral, os seres de silício encarregam-se de tornar manifesto que a nossa espécie está obsoleta. Obsoleta e uma péssima companhia neste mundo, o tal que mudou.
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