sexta-feira, 18 de março de 2022

Ginástica

Olho pela janela do escritório. Está uma tarde luminosa. O céu tem estado de um azul puríssimo. Nos campos de jogos da escola aqui ao lado, bandos de adolescentes, enfileirados, correm batendo bolas de basquetebol, é o que me parece. Sempre são uns duzentos ou trezentos metros de distância. Imagino que estarão numa aula de Educação Física. Eu sou do tempo em que não havia Educação Física. O que tínhamos era Ginástica, um eufemismo para uma coisa em que se era posto a correr à volta de um campo ou a fazer corta-mato, enquanto o professor lia o jornal ou punha a vida em ordem. Desconfio, embora sem qualquer prova, que havia, por esses tempos, um programa por cumprir, mas os professores – se o eram, pois devido à escassez eram recrutados uns curiosos que tinham sido militares ou praticado algum desporto – tinham uma grande liberdade curricular. Hoje em dia já não será assim, mas isto é apenas uma suposição. Refiro-me à província. Em Lisboa ou no Porto, nos liceus as coisas seriam diferentes. Os senhores doutores que ensinavam por lá seriam mesmo licenciados. Por aqui, muitos senhores doutores, gente com real destaque na vila provinciana e pacata, era gente com cursos por completar há muito, que tratava da vida dando umas aulas. Havia-os bastante talentosos. Tive um, um autêntico cavalheiro, que me ensinou Francês. Mais tarde descobri que era senhor doutor por ter passado por Coimbra, onde se dedicou a fazer umas gincanas e outras actividades extracurriculares, embora se tenha esquecido de estudar. Coisa que acontecia a muito boa gente. Seja como for, foi um dos melhores professores que tive. Nas aulas, fumava desalmadamente cigarros Monserrate. Era um tempo heróico. De tal maneira, que o primeiro cigarro que fumei foi na casa do director do colégio que frequentava. Era amigo de um dos filhos. Esse director, um senhor doutor a sério, era das pessoas mais inteligentes que conheci até hoje, e, apesar de nunca ter sido seu aluno, foi outro dos professores que me marcou. E não por causa do tabaco, apesar de ele ser um fumador inveterado. Do que me fui lembrar.

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