A manhã de trabalho em casa. Coisas urgentes entre mãos, necessidade de silêncio e concentração. O mundo, porém, insiste em mostrar o seu desconserto. Num dos apartamentos contíguos, alguém decidiu testar a capacidade de as paredes percutirem o som dos martelos. Entrega-se com denodo à tarefa. Por vezes, pára, parece faltar-lhe energia, mas logo recupera e continua a testar a capacidade percutora das paredes. Estas respondem com prontidão, o pior são os meus ouvidos. Também é verdade que poderiam ter melhor qualidade e, em casos como este, fazerem orelhas moucas. Isto lembrou-me o antigo adágio ao gosto popular, que por aqui corria: mulher séria tem orelhas moucas. Não é fácil ligar a seriedade à surdez, mas a sabedoria popular não seria propriamente igualitária e estaria longe de se preocupar em justificar aquilo que lhe ia no ânimo. A percussão continua, mas agora em harmonia com uns guinchos vindos da rua, onde um pequeno bando de adolescentes sofre o peso das hormonas, tudo acompanhado pelo ronronar irritante de um camião, cujo motorista se esqueceu de desligar o motor. A minha aplicação meteorológica informa-me que hoje há 94% de possibilidades de chover, embora de momento não exista precipitação. O vento sopra de sudoeste a 4 km/h. Não tem pressa de chegar, tal como o vizinho percutidor não tem pressa de acabar o concerto. Imagino que tenha vocação de baterista.
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