domingo, 6 de março de 2022

Endomingamento

Por aqui, as promessas de chuva dissolveram-se. Se nem São Pedro se mantém fiel à sua palavra, o que poderemos esperar dos outros homens que nem santos são? Está um domingo rumoroso de Primavera. Dei uma volta pela cidade, as pessoas dividiam-se entre as compras e o endomingamento, embora hoje se endomingue muito menos que outrora, ou, antes, se endomingue de forma diferente, descuidada. Neste tempo sem graça, toda a gente faz gala em vestir-se de forma leve, desportiva, casual (em inglês, claro), como se estivesse enfastiada do dress code que é obrigada durante a semana, embora a maior parte não esteja sujeito a qualquer código de vestuário. Ora, a questão é outra. No tempo em que o domingo era um dia de festa, uma festa solene, cujo centro era a missa, as pessoas vestiam-se de forma cerimoniosa, pois tinham de participar numa cerimónia. Agora, o domingo é apenas um dia de ócio, um retemperar forças para os dias de negócio. Creio que a dessacralização do domingo teve um enorme incremento com a possibilidade de a Eucaristia semanal ser ao sábado. Ofereceu-se uma alternativa, mas as pessoas e optaram pela terceira via. Nem sábado, nem domingo. Nunca. Estas últimas reflexões sobre a missa não me pertencem, mas ao padre Lodovico, que desabafou comigo, ainda há pouco, numa longa conversa telefónica. Veio dar-me a novidade de que esteve em casa retido devido ao vírus. O que vale, informou-me, é que não teve sintomas, a não ser um certo anasalamento da voz. Depois, entrou no assunto da Ucrânia, de como o coração se lhe partia, o medo pelos amigos que por lá tinha. Hoje, porém, evitou a escatologia e não referiu o Anticristo. A COVID retemperou-lhe a veia racionalista, marca essencial da família Settembrini, a que ele, apesar de jesuíta, não deixou de pertencer. A escatologia pertence mais à família dos Naphta, mas esse é outro assunto que não vem ao caso. Como é habitual, ao domingo almoço mais tarde. Enquanto escrevo, vou espreitando a rua e ouvindo um disco de Jazz com o título Copal, do Eurico Costa Trio. Uma descoberta recente e interessante. O pior é mesmo a falta de chuva.

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