sexta-feira, 4 de março de 2022

Nada

Hoje retomei as caminhadas. É evidente que dizer retomei significa mais a expressão de um desejo do que a expressão de uma verdade. O facto de o ter feito hoje não significa que o continue a fazer nos próximos tempos. Estava um vento norte frio, irritado e irritante. Aproveitei essa deambulação para deixar o pensamento com rédea solta. Assim, ia pensando ora nisto, ora naquilo, ora naqueloutro. Esta é a melhor forma de não pensar nada. Pelo menos para pessoas como eu que não se entregam à meditação, a qual, dizem, tem o condão de nos conduzir ao não pensamento. Não pensamento não é a mesma coisa que pensar em nada. Neste último caso, o pensamento tem por objecto o nada e sobre este há muita coisa para pensar. Consideremos, a título de exemplo, a obra de Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada. Dedica quase oitenta páginas, na tradução portuguesa, ao problema do Nada. Se alguém pensar que sobre o nada nada há a pensar, então equivoca-se. Portanto, parece-me uma conclusão lógica, não pensar e pensar em nada são coisas muito diferentes. Quantas vezes uma pessoa é apanhada a pensar em nada. Estamos muito absortos e alguém pergunta: estás a pensar em quê? Em nada, respondemos. Portanto, pensar em nada é ter aqueles pensamentos que não queremos partilhar com terceiros. Depois de ler o que escrevi até aqui, começo a desconfiar que fazer caminhadas não dá grande saúde mental. As minhas netas puseram-se a ouvir uma música própria de adolescentes. Aposto que se lhes perguntasse: o que estão as meninas a ouvir? Logo me responderiam: nada, avô. Se se pode ouvir nada, então também se pode pensar nada. O meu neto, soube-o agora, está com COVID. Para não se sentir só, também o pai, a mãe, uma tia avó e a bisavó foram apanhados pelo vírus. Este parece resolvido em baptizar todos na sua congregação viral. A noite caiu e a sexta-feira está quase acabada, quase feita em nada.

Sem comentários:

Enviar um comentário