Uma outra orquídea floriu, flores brancas. Neste momento, estão floridas duas brancas, uma amarela e uma fúcsia. Começo assim, pois não me ocorre nada mais. Também podia começar com o álbum de Jazz que se derrama na aparelhagem. Tem o título sugestivo Being There e é da autoria do pianista norueguês Tord Gustavsen, que é acompanhado por Harald Johnsen e Jarle Vespestad. O CD foi editado em 2006 pela inevitável etiqueta ECM. Outro começo possível seria falar da avenida, mas não se vislumbra nela vivalma, toda a gente recolhida. De tempos a tempos, passa um carro, vai sonolento, os vidros como revérberos. Descobri, há dias, que nela existe uma igreja de uma daquelas seitas neopentecostais que florescem como cogumelos num mundo que um velho conservador diria estar à deriva. Naquele lugar já houve um café ou um bar, não sei bem, pois nunca lá entrei. Pensava que era isso que ainda existia, mas reparei que havia qualquer coisa de inusitado. Apercebi-me, então, que era um lugar de culto. Havia uma assembleia. Uma mulher falava, uma outra, na assistência, estava de pé e tinha um braço no ar. Pensei, a princípio, que fosse uma sessão de esclarecimento político, mas é provável que esse tipo de reuniões já não aconteça há muito, coisa dos anos setenta do século passado. Ninguém precisa de se esclarecer, mas parece que há cada vez mais gente à procura de uma salvação. Duvido que seja a da alma que procuram, mas a do corpo. Isto, porém, é presunção minha. Não faço a mínima ideia do que vai na cabeça das pessoas. Nem na minha, quanto fará de gente que nunca vi. Se soubéssemos o que vai na nossa cabeça, se fôssemos completamente transparentes para nós próprios, será que nos suportaríamos? Também podia começar assim: Quem, se eu gritasse, me ouviria de entre as ordens / dos anjos? E mesmo que um deles, de repente, / me cingisse ao coração: eu desfaleceria da sua / existência mais forte. Pois o belo não é mais / do que o começo do terrível, que ainda mal suportamos, / e deslumbra-nos assim porque, imperturbado, / desdenha aniquilar-nos. Todo o anjo é terrível. Poderia começar assim, caso Rainer Maria Rilke não tivesse começado deste modo a primeira das elegias de Duíno. Para dizer a verdade, Rilke não começou assim. Quem assim começou foi Vasco Graça Moura, ao traduzir as ditas elegias. Então lembro-me das ordens angélicas e repito-as para mim: anjos, arcanjos, serafins, querubins, tronos, potestades e dominações. Falta qualquer coisa e tudo parece fora do lugar. Consulto um site denominado Aleteia e recebo a verdade sobre a hierarquia angélica. Na primeira, e mais elevada, estão os Serafins, os Querubins e os Tronos. Na segunda, intermédia, encontram-se as Dominações, Potestades e Virtudes. Por fim, na terceira e mais próxima dos homens, estão os Principados, os Arcanjos e os Anjos. Será que também esta hierarquia reflecte uma escala de beleza? Quanto mais longe dos homens, mais belos os anjos? Faz sentido, pois não suportamos, com os nossos olhos mortais, um excesso de beleza. Acabo o texto sem me decidir pelo começo.
As minhas permanecem sem uma florzinha, que tristeza!
ResponderEliminarAinda não chegou a hora delas. Por aqui, há algumas muito atrasadas, mas também entre as plantas cada uma terá o seu ritmo, imagino eu.
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