O tempo, esse lençol que se estende sobre a terra e se fende, e se esburaca, e se rasga sem parar, numa ânsia, sempre frustrada, de encontrar o futuro que o espera, segundo diz. Esse é o trabalho de Sísifo a que o tempo foi condenado. Atirar-se sempre para diante, e nunca, nunca sair de onde está. O tempo é imóvel, a cada momento está no presente e por mais que corra, que acelere, nunca deixará de estar na casa da partida. O tempo é uma esfinge. Imóvel, as coisas passam perante ele, e ele vê-as passar e, com o seu olhar encantatório, ilude cada uma, fazendo-a pensar que envelhece porque ele, o deus devorador, por ela passa. O tempo é uma mentira. Não, o tempo é um mentiroso. Diz que passa, mas não passa, está preso ao presente como Prometeu estava agrilhoado ao rochedo. O presento é o rochedo onde o tempo foi agrilhoada, para que uma águia, dia após dia, lhe coma o fígado. As nossas rugas são a dor do tempo, a dor do condenado a estar eternamente onde está, a dor do deus devorado pela águia da eternidade. Depois de escrever o que escrevi, pensei que alguma coisa que comi me perturbara a razão, e não haverá nada de mais vergonhoso do que alguém, carregado de dias, deixar a sua razão perturbar-se. Retracto-me. O tempo existe, corre, fende as rochas e derruba as florestas, está cada vez mais próximo do futuro e mais longe do passado.
Muitos criticam Nietzsche por se ter agarrado ao pescoço de um cavalo em Turim; parece-me que o que ele fez de melhor foi isso mesmo, mas um pouco desfasado no tempo.
ResponderEliminarEsse foi o momento em que se manifestou a doença mental de que, por certo, já sofria. Ou talvez fosse uma doença existencial, um mal-estar na existência, que talvez seja sempre um desacerto no tempo.
EliminarSegundo li, após o incidente Nietzsche ficou dois dias em silêncio. As suas últimas palavras: “Mutter, ich bin dumm”.
EliminarSó uma inteligência humana, demasiado humana, poderia expressar-se assim. Também podia ter dito: I’ll be back.
A fama filosófica de Nietzsche deve-se a uma espécie de exaltação profética, coisa, na verdade, nada filosófica. A profecia - nem que seja a da anunciação do super-homem - não é compatível com o exercício filosófico. A filosofia é como a ave de Minerva, levanta voo ao anoitecer, isto é, chega sempre tarde, não anuncia o futuro, pensa sobre o sentido do que foi. Também a exaltação é estranha, demasiado estranha, à fria ponderação filosófica. Tudo isso, porém, seduziu muita gente no século XX.
EliminarObrigada. A filosofia tem esse lugar que diz. Começo aos poucos a entendê-la. Mas, pensadores como Nietzsche e Cioran, divertem-me. Talvez não sejam para levar muito a sério (talvez nem eles se tenham levado muito a sério). Espero que a filosofia do século XXI não venha a ser o pai tirano do pensamento. A razão fria, demasiado fria, assusta-me. A verdade é que assusta e defende.
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