No diálogo Fedro, Platão, através da personagem Sócrates, lança um violento ataque à escrita. Este exercício hiperbólico, ao qual são dadas razões filosóficas, pedagógicas e conviviais, não evitou que Platão tenha construído uma obra escrita também ela hiperbólica. O artefacto hipérbole é usado para referir a dúvida cartesiana, ficando Platão adstrito ao ramo retórico da alegoria e do mito. E se toda a obra platónica não fosse mais do que um exercício hiperbólico? Faria sentido. A hipérbole é um dispositivo da família do microscópio, serve para aumentar a realidade e é nesse processo de a exagerar que talvez ela se deixe vislumbrar. A ideia platónica de que a escrita é um registo morto não resiste, todavia, ao choque com a existência de pautas musicais. Também estas são constituídas por símbolos e compõem um todo que parece morto, mas quem as sabe ler encontra nelas a vida ou, melhor, encontra nelas múltiplas vidas. Também o texto escrito está submetido à ressurreição através da leitura. Toda a vez que se lê um texto este tem o seu domingo de Páscoa. Talvez faltasse a Platão o conceito de ressurreição para perceber a natureza da escrita, mas, por certo, alguma coisa nele lhe sussurrava para que escrevesse sem parar, pois os seus textos, apesar de residirem em mausoléus, acabariam, a cada leitura, por libertar-se da morte e ressuscitar na consciência do leitor. O diálogo vivo entre pessoas vivas, que seria superior à escrita, é agora substituído pelo exercício taumatúrgico do leitor, que opera o milagre da ressurreição daquilo que jaz morto, mas não apodrece.
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