Aproxima-se a hora em que terei de me levantar daqui, desta cadeira em que me sento, e tomar o caminho que me leva sempre à perplexidade. Vou constatar o que já sei, mas o facto de saber não elimina o ficar perplexo. Saber implica crer no que se sabe, mas há coisas que nós sabemos e que, no fundo, recusamos crer nelas. Esta recusa é uma revolta contra a ordem das coisas. É um revolta inútil, pois a ordem das coisas é indiferente às nossas rebeliões e às crenças que acalentamos ou que desprezamos. Ainda falta algum tempo para me levantar. O melhor seria não pensar, penso eu agora. A vida é feita de coisas esdrúxulas, apesar de muitas delas não serem acentuadas na antepenúltima sílaba. Por outro lado, não gosto da palavra esdrúxula, mas seria dificilmente aceitável afirmar: a vida tem coisas proparoxítonas. Ninguém compreenderia, embora fizesse mais sentido, devido à presença de oxítono, derivado do grego oxýtonos que significa com acento agudo, o que sublinharia a presença na vida daquilo que é agudo, perfurante, verrumante. A semana útil começa com estas meditações inúteis. A palavra verruma, ou será a palavra verrumante, aprendi-a num texto de António Sérgio, espero não estar enganado. Julgo que foi a única coisa que aprendi com ele. Não que ele não tenha muita coisa para me ensinar, mas nunca prestei grande atenção aos ensinamentos que nos seus livros se ocultam. Daqui a cinco minutos terei de estar a entrar para o carro, pô-lo a trabalhar e começar a deslizar pela rua, à procura de uma outra, e outra, e outra. A vida é isto, um passar de rua em rua, como as notas ou as moedas passam de mão em mão. O dinheiro electrónico é mais asseado.
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