Está concluído o primeiro terço de Março. O tempo desliza, entrega-se a uma volúpia sem nome, arrastando-nos com ele, sem nos dar a possibilidade da recusa. Os dias úteis da semana, tão cheios de inutilidades, também estão consumados. Vai ser um fim-de-semana agitado, com netos que o tempo, mais uma vez, faz crescer, roubando-os à infância. Elas já se afastarem, a passos largos, dessa primeira moradia, ele ainda por ali corre inconsciente de que é a sua casa mais fundamental. Enquanto a casa está tranquila deixo correr, pelas mãos de Daniel Barenboim, as Canções sem Palavras (Lieder ohne Worte), de Felix Mendelssohn, e leio Incendeia-se a desventurada Dido e pela cidade inteira vagueia, / desvairada, qual corça colhida por uma seta, / a quem pegou, desprevenida, no meio dos bosques de Creta, / o pastor que com seus dardos a perseguiu e nela deixou um ferro alado, sem o saber; ela, na fuga, atravessa bosques e barrancos / do Dicteu; aguenta, firme, no flanco a seta fatal. E neste instante penso não apenas que este é o melhor dos mundos possíveis, mas é um mundo perfeito, agora que a tarde se aprestar para se entregar nos braços do crepúsculo, que, ao cingi-la com suavidade, a adormecerá, entregando-a às sombras do reino da noite. Fecho os olhos antes que da Flauta Mágica chegue a Rainha da Noite com a vingança do inferno a arder no coração, e, incendiada, estrague o mundo que mesmo agora, apesar de pensar nessa harpia, me parece tão perfeito.
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