segunda-feira, 6 de março de 2023

Universos em expansão

Voltar a um hábito já com algum tempo. Consultar a aplicação que fornece os dados meteorológicos e confirmar aquilo que os olhos vêem. Via chover, mas só tive a certeza de que assim era quando a aplicação do telemóvel me confirmou que, neste lugar, estava a chover. Uma coisa são os nossos sentidos, falíveis e sempre inclinados à ilusão, outra é o mundo dos algoritmos digitais que fornece informação que, pela sua natureza, não estará presa às fantasias das sensações. No friso das orquídeas, há três floridas. Uma, porém, não deve ser tida neste rol, pois foi comprada há duas ou três semanas e já vinha florida. Uma floração branca e pura. A amarela está exuberante e uma de cor fúcsia, se é que se deve assim denominar aquela cor, também iniciou o processo de floração. Uma rápida inspecção permitiu perceber que também outras se aprestam para chegar ao grande momento. A minha relação com as orquídeas é puramente contemplativa, sou um voyeur e não um cultivador, tão pouco um jardineiro. Imagino que deveria haver uma aplicação para confirmar se as orquídeas que vejo floridas o estão de facto, e não é apenas uma presunção minha, uma visão delirante, a obscura ânsia pela anunciação da Primavera. Há pouco, ao ler um poema – melhor, a tradução de um poema – de Rainer Maria Rilke, deparei-me com um mundo que nunca foi o meu. Com os mundos do passado acontece o mesmo do que com as galáxias. Quanto mais longe estão de nós, mais depressa se afastam. O afastamento de nós do mundo de Rilke é menos veloz do que do de Goethe, e o deste menos apressado do que o de Homero. Talvez, por analogia, o mesmo possa acontecer com a nossa vida. O afastamento da minha infância é muito mais rápido do que o afastamento dos meus quarenta anos. Para a minha escala, a infância corre desvairada para trás, sempre cada vez mais depressa, infatigável. Eu vejo-a afastar-se e sinto uma leve tristeza por ela não me poder suportar. Imagino que também os mundos poéticos de outrora não suportem os actuais. Isto significa que o universo poético está em expansão. Significa também outra coisa, o universo de cada um também se expande até à hora em que colapsa devido à velocidade de afastamento de cada época em relação ao presente, sendo a morte a impossibilidade de manter a concatenação dos tempos que nos foram dados a viver. Isto, se nenhuma aplicação o vier desdizer.

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