Fez-se noite sem que tenha dado por isso. Perdi o crepúsculo, que é sempre uma hora muito poética. Não se sabe bem a razão. Talvez, imagino, porque a poesia seja um discurso crepuscular, ali na fronteira entre a luz e as trevas. Outra possível razão será a de haver poetas que gostam de se apresentar como seres crepusculares, gente que se imagina a deixar a luz da razão para entrar nas trevas do sentimento. Uma outra poderá residir no sentimento poético de se estar numa época de declínio. Aqui, de forma decidida, entramos no reino da metáfora. Parece que a minha neta mais nova está a ser massacrada, mas ainda não percebi se é com fracções, com os verbos être e avoir ou com um qualquer facto histórico, com as suas ominosas causas e as suas tenebrosas consequências. É o que faz podermos conversar online. Da conversa passa-se rapidamente para as lições. Não me parece muito saudável, se me ponho na pele da pequena. Ela resiste, mas depois cede e acaba por ficar agradecida. Perante mim está deitado na secretária um livro de Cormac McCarthy, A Travessia. Na capa, tem uma cruz. Fico a pensar que o autor tem uma certa inclinação para a deslocação. Um outro romance dele, terrível e belo, portanto, às portas do sublime, tem o nome de A Estrada. A mim, porém, o que me fascina são os caminhos que não levam a lado nenhum. Caminhos que levam a nenhures. A um não lugar. Imagino, agora, que o espaço possa não existir, que seja apenas uma ilusão que certas espécies animais têm para poderem persistir na vida. Caso isso seja verdade, então estamos constantemente em nenhures, mas, é preciso levar o raciocínio às suas últimas consequências, o verbo estar é um equívoco, pois não existe qualquer estância onde se possa estar. Em nenhures não há estradas nem travessias, talvez crepúsculos, fracções, verbos franceses e acontecimentos históricos que ocorreram em nenhures, isto é, não ocorreram. Acho que preciso de fazer exercício físico para aclarar as ideias.
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