Há qualquer coisa de sinistro no desfiar do tempo. Novembro, tal como veio, assim se vai. Por certo, mais frio, como se o seu corpo fosse já um corpo morto, à espera das exéquias fúnebres e posterior forno crematório. Eis um começo tétrico, mas não se pode começar sempre com ambientes galhofeiros e folgazões. Eis duas palavras que estão longe de me agradar, mas assim como se deve variar o ambiente, também se recomenda que se diversifique o léxico, usando aquilo de que se gosta e aquilo de que não se gosta, para que também, ao nível estético, haja uma diversificação. O que caiu na trama da invariância há alguns dias foi o crepúsculo, esse momento em que, de súbito, o dia se precipita nos braços da noite e, no terrível amplexo que então acontece, o másculo dia seja devorado pela feminil noite. Sobre estas imagens não faço comentários e omito as razões para tal renúncia. Resta comentar o crepúsculo que se tornou invariante. O traço mais marcante é ser lacrimoso, a que se adiciona um aceno melancólico e um trejeito onde, no tremor sublinhado pelo vento, se descobre o temor da morte próxima. Morre o dia, morre Novembro e o ano prepara já a hora em que entregará a alma ao criador. Como se sabe, também os anos têm alma e, por isso, são diferentes. O criador dos anos tem uma enorme colecção de almas. Colecciona-as para se comprazer na eternidade, lembrando-se, ao vê-las, daquele tempo em que existia tempo. A tonalidade amarelada da iluminação pública desenha fantasmas pelas ruas. Uma sombra solitária passa lá em baixo, enquanto se ouve o latir ansioso de um cão abandonado. Os segundos sucedem-se sem parar.
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