Imagine-se que alguém escreve, como eu li há pouco, este romance não tem moral. Aqui não ter moral não significa que seja imoral. Seria uma obra que estaria além, ou aquém, do moral e do imoral, que estaria, para citar um título de uma obra de Nietzsche, para além do bem e do mal. Isto, todavia, faz parte do imenso catálogo das presunções humanas. Queiramos ou não, a moralidade envolve-nos de tal modo que nunca podemos escapar a ela. Um deus ou um animal não racional estariam para além da moralidade, mas não um ser que combina a animalidade com a racionalidade. Somos intrinsecamente seres morais e o que fazemos vem impregnado com a moralidade que nos constitui. Esse estar para além da moralidade não passa de um exercício imoral da vaidade humana. Em todos os romances que li até hoje nunca deixei de encontrar traços dessa moralidade, dessa presença obsidiante do conflito entre o bem e o mal. A própria linguagem, porque é humana, demasiado humana, está impregnada de moralidade. Não é por acaso que actualmente se travam terríveis disputas em torno da moralidade da linguagem, pois as palavras não estão para além do bem e do mal. Elas são o veículo expressivo de um e de outro. As histórias que contamos, por mais destituídas que sejam de acção, não dispensam as palavras e estas arrastam consigo o peso da moral. Logo, a moral da história é que todas as histórias têm a sua moral.
Subscrevo!
ResponderEliminarDesculpe, pareço uma comentadora residente, no entanto não resisto a esta questão: *somos intrinsecamente seres morais*, quer dizer que nascemos vinculados a uma moral, quer nasçamos africanos, asiáticos ou europeus, e a qual moral, já que varia e é até antagónica, consoante as religiões. Também posso ensinar um cão, desde cachorro, a não morder, ou a não ladrar, ou a ter um comportamento civilizado. Não é isso a escola, conduzir, formatar, padronizar?
ResponderEliminarQuer dizer que nascemos com a capacidade de julgar os comportamentos, os nossos e os dos outros. Como actualizamos essa capacidade é outra coisa. Passa-se o mesmo com as línguas. Salvo alguns acidentes, nascemos com a capacidade para aprender uma língua. Depois actualizamo-la de acordo com o meio. Relativamente à moral, temos ainda outra capacidade, mas actualizamo-la muito menos, é a de nos elevarmos a apreciações universais. O que a escola faz, não sei lá muito bem. Creio, porém, que a actualização de qualquer uma das nossas faculdades (falar, andar, tocar um instrumento, agir moralmente, etc.) começa com um certo condicionamento, mas, progressivamente, vamo-nos libertando dele. Fisicamente, porque se torna um hábito e passa a fazer parte da nossa natureza. Quanto à moralidade, podemos ficar pelo hábito, mas podemos ir muito mais longe e libertarmo-nos do condicionamento inicial, agindo moralmente baseados apenas nos juízos que realizamos. A formatação do indivíduo não é o destino inevitável do condicionamento inicial que quase todas as nossas faculdades necessitam para se porem em marcha.
EliminarÉ isso mesmo, depois dos primeiros passos, temos de nos pôr em marcha. É o que nos distingue dos animais que aprendem, mas não pensam.
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