segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Devaneio

Chegado a casa, preparei-me para ir fazer a minha caminhada. Estava nesses preparos e desatou a chover. Não, não começou a chover. Desatou é a expressão exacta do acontecimento. A chuva é composta por cordas líquidas, como um observador atento poderá comprovar. Há cordas mais grossas, há mais finas e, como não podia deixar de acontecer, há as que não são grossas nem finas, mas, talvez por serem virtuosas, ficam entre os dois extremos. Pelo menos seria a opinião de Aristóteles se escrevesse sobre a virtude das cordas. Ora, as nuvens não são mais do que grandes, complexos e confusos nós de cordas que se entrelaçam e mantêm o cordame coeso e a flutuar na grande planície dos céus. Quando chove, é porque esses nós se desatam e as cordas vêm por aí abaixo, desejosas de regressar à terra de onde partiram. Toda a chuva é um exercício de regresso de um exílio penoso. O céu não é a casa da água. Não era disto que me propus escrever, mas da facilidade com que troquei a acção pela contemplação. Em vez de agir, pondo-me ao caminho, exercitando os músculos e acumulando pontos cardio, aproveitei a chuva e fiquei a olhar para ela. Ver chover, estando resguardo, não é uma experiência menos rica do que contemplar o fogo numa lareira. Ambas as experiências dispensam a acção e abrem a imaginação ao devaneio, fazendo com que o contemplador entre num mundo que os sentidos desconhecem e a razão ignora.

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