Chegado
a casa, preparei-me para ir fazer a minha caminhada. Estava nesses preparos e
desatou a chover. Não, não começou a chover. Desatou é a expressão exacta do
acontecimento. A chuva é composta por cordas líquidas, como um observador
atento poderá comprovar. Há cordas mais grossas, há mais finas e, como não
podia deixar de acontecer, há as que não são grossas nem finas, mas, talvez por
serem virtuosas, ficam entre os dois extremos. Pelo menos seria a opinião de
Aristóteles se escrevesse sobre a virtude das cordas. Ora, as nuvens não são
mais do que grandes, complexos e confusos nós de cordas que se entrelaçam e mantêm
o cordame coeso e a flutuar na grande planície dos céus. Quando chove, é porque
esses nós se desatam e as cordas vêm por aí abaixo, desejosas de regressar à
terra de onde partiram. Toda a chuva é um exercício de regresso de um exílio
penoso. O céu não é a casa da água. Não era disto que me propus escrever, mas da
facilidade com que troquei a acção pela contemplação. Em vez de agir, pondo-me
ao caminho, exercitando os músculos e acumulando pontos cardio, aproveitei
a chuva e fiquei a olhar para ela. Ver chover, estando resguardo, não é uma experiência
menos rica do que contemplar o fogo numa lareira. Ambas as experiências
dispensam a acção e abrem a imaginação ao devaneio, fazendo com que o
contemplador entre num mundo que os sentidos desconhecem e a razão ignora.
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