quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Um intervalo

Por vezes, há períodos da vida em que esta parece um intervalo. São vividos na expectativa de chegar a hora em que tudo é mais sério, mais decisivo. Quando, porém, chega essa hora, descobre-se que a energia foi consumida pela expectativa. Os intervalos são muito mais cansativos do que se supõe. Sei disto, continuou o padre Lodo, não apenas por experiência própria. O confessionário é um lugar de grande aprendizagem. Pensava, respondi, que os padres esqueciam o que ouviam, mal acabavam a função de confessores. Afinal, as confissões são motivo de meditação e aprendizagem, acrescentei. O padre Lodo riu-se. Não podemos apagar a memória, apenas temos o dever de estar calados. Um dever de silêncio, o que não é pequena provação para muitos. Passa-se alguma coisa? A minha pergunta foi recebida com um curto silêncio, depois ouvi um porquê. Porque só costuma ligar ao fim-de-semana e ainda estamos a meio da semana. É verdade toda a gente está presa nos hábitos, ninguém escapa. Apeteceu-me ligar hoje, disse ele. Talvez esteja num daqueles tempos de intervalo e sinto que isso é, na minha idade, ridículo. A única coisa séria e decisiva que posso esperar é morrer. Não exagere, respondi. Não, não estou a exagerar, ouvi. Na verdade, temo que a minha vida se tenha tornado um intervalo até à hora em que deixe este mundo. Falta-me qualquer coisa, algo que seja mais sério e decisivo. Talvez falte a todos, asseverei sem grande convicção. Talvez, respondeu, também ele sem convicção. Desligou sem me perguntar pelos netos. Fiquei preocupado.

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