Deixei-me embalar por uma peça de Arvo Pärt, Für Alina, e
adormeci sentado defronte ao computador. Como lidar com estas humilhações? O
melhor é não lidar e aceitar as coisas como são e, neste caso, recomeçar a
ouvir a peça, a qual, diga-se, tem qualquer coisa de embalador. Talvez fosse um
exercício de hipnose. Nunca se sabe o que vai na cabeça de um artista. Talvez a
cabeça não seja um órgão artístico. Será mais propícia ao filósofo e ao
cientista. Também não será o coração. Se a cabeça suporta o filósofo e o
cientista, se o coração suporta o homem religioso, o que suportará o artista?
Os sentidos. Os artistas pensam com os sentidos, enquanto o monge pensa com o
coração e o filósofo e o cientista com a cabeça. Ora o artista tem a primazia,
pois enquanto os outros têm ao seu dispor apenas um órgão de pensamento, a
cabeça ou o coração, o artista tem cinco. É verdade que há uma especialização.
Artes visuais, artes auditivas. Artes tácteis, já menos habituais. Depois, talvez
fosse melhor falar em artesanato olfactivo e gustativo. Seja como for, o
artista, mesmo que o seu produto se concentre num dos sentidos, parte da
pluralidade sensorial. Do monismo da razão, do monismo do amor, passa-se ao
pluralismo da sensação. E será este pluralismo primordial que acaba por tornar
a arte a mais enigmática das actividades humanas. Hegel pensava que o Absoluto
se manifestara primeiro na arte grega, depois na religião cristã e encontrava o
seu elemento na filosofia, isto é, na filosofia dele, Hegel. Ora, o conceito,
mesmo que dialéctico, é uma abstracção. Só a arte, no seu pluralismo, manifesta
a vida desse absoluto. Como se vê, adormecer diante do computador não é coisa
recomendável. Uma pessoa acorda com a cabeça cheia de pensamentos sem préstimo
e sem sentido, o que é ainda pior.
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