quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Uma questão de coragem

Em 1984, o filósofo político francês Julien Freund publicou uma obra com o expressivo título La Décadence. Quando trata da atmosfera de decadência nas literaturas contemporâneos (é necessário não esquecer que o livro foi publicado há 40 anos), escreve: O que me parece digno de relevo é que o artista e o escritor têm muitas vezes, devido à sua sensibilidade específica, uma intuição premonitória das ameaças que podem pesar sobre nós no futuro, ou, antes, tornam-nos sensíveis a fenómenos que por diversas razões evitamos aprofundar e dos quais não queremos tomar uma consciência demasiado precisa. Imagino que a grande arte e a grande literatura o sejam porque lidam com esse perigo ainda escondido. O que está em jogo não é uma questão de profecia, mas de coragem. O artista e o escritor não são profetas, nada lhes foi revelado para ser transmitido aos homens. Eles acedem às mesmas informações e intuições que estão disponíveis para todos. Mas, como Freund salienta, o homem comum evita confrontar-se com o conteúdo dessas informações e intuições. O artista e o escritor olham-nas de frente e é esse olhar frontal que se transforma em obra que parece premonitória. Não é o confronto com o desconhecido que torna grande uma obra, mas é a coragem de encarar aquilo que todos podem ver, mas de que ninguém quer tomar consciência. Precisamos de cuidar dos nossos negócios e o melhor é tomar por divisa um dia de cada vez.

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