quarta-feira, 23 de julho de 2025

Determinações

No texto de abertura que antecede o artigo de Thomas Garcin, um professor de Estudos Japoneses na Universidade de Paris, sobre o centenário do nascimento de Yukio Mishima, na Electra do Verão de 2025, escreve-se: olhada do fim para o princípio, a vida de Yukio Mishima parece um destino em que tudo o que aconteceu não podia ter acontecido de outra maneira. Aquilo que é dito de Mishima pode ser dito de qualquer um. Uma vida olhada a partir da morte que lhe coube está perfeita – no sentido de acabada – e, como tal, está plenamente determinada. O jogo de causas e efeitos está fechado, e cada efeito é o resultado da causa que o produziu. Não se podia ter achegado ali – naquela hora e naquele espaço – senão pelo caminho que se seguiu. Contudo, se se olhar uma vida não a partir da sua morte, mas da sua emergência no mundo, o que se observa são as possibilidades que estão em aberto. Não serão infinitas, pois os homens são finitos, mas são muito mais amplas do que se pode pensar. A vida de Mishima ou a de um sem-abrigo são idênticas: um processo contínuo de fechamento de possibilidades que estavam em aberto. Cada vez que se faz uma escolha, selecciona-se um caminho e fecham-se muitos outros. É um processo de afunilamento contínuo: as escolhas vão escasseando até que chega a hora em que não temos direito a mais nenhuma. Um determinista radical diria que, mesmo no início da vida, não existe escolha; tudo estará determinado por causas que não controlamos. O problema dos deterministas radicais e dos fatalistas é que olham a vida dos homens a partir da morte. Nos seus olhos, só existe a morte, uma sombra que se projecta sobre a vida e que a mata, vendo-a como um mero jogo de causas que se sucedem necessariamente certos efeitos. Se tivessem razão, que valor teria a obra de Mishima ou o seu suicídio ritual?

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