segunda-feira, 21 de julho de 2025

Calendários e deadlines

Aproximo-me, a passos largos, daquela fase da existência em que a denominação dos dias da semana desaparece. Aquilo que era uma experiência ténue, localizada nos tempos de férias, será agora — imagino — a natureza da minha relação. Isto, porém, é uma especulação, pois, em todo o lado, a começar pelo telemóvel, está a informação do dia da semana, do mês em que se está e até do ano que corre, como um rio tranquilo, para a foz. A tranquilidade fluvial dos anos não deriva daquilo que acontece neles, mas da regularidade que os habita. Começam sempre a 1 de Janeiro e terminam a 31 de Dezembro. De quatro em quatro anos, dão um bónus ao mês de Fevereiro – nada que o compense do injusto quinhão que lhe coube em sorte. Há pouco, li uma notícia: tinha sido descoberta uma flauta feita em osso de urso, que pertenceria a Neandertais. A conclusão óbvia é que também eles faziam música. Com alguma evidência empírica, desconfia-se de que também se entregavam à pintura, bem como à bijutaria. Podemos mesmo dizer: humanos, demasiado humanos. E teriam eles calendário? Dividiriam o tempo de algum modo? Observariam os astros? O seu desaparecimento continua a ser um mistério. Talvez a falta de um calendário seja a causa da sua tragédia. O calendário permite colocar deadlines, o que significa que há um espaço temporal, a que se segue uma deadline, a qual, sendo atingida, está ultrapassada. Sem um calendário, os Neandertais não distinguiam a deadline do tempo que está antes e depois dela. Para eles, todo o tempo era uma deadline, por onde entraram e de onde não conseguiram sair. Sem calendário, a deadline deixa de ser um prazo-limite, para ser a linha da morte ou, melhor, uma superfície da morte, isto é, um campo da morte. Esta é a minha contribuição para decifrar mais um mistério que atormenta a imaginação, se não da espécie, pelo menos de uma parte que se entrega a este tipo de coisas. Se me perguntarem por evidências empíricas, direi que foi uma dedução a priori, sem necessidade do recurso à experiência. O pior, para a minha tese, é, se um dia descobrem que também os Neandertais tinham calendários e usavam deadlines para as suas tarefas. Enquanto isso não acontece, pode ser que eu esteja a transformar-me num Neandertal.

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