quarta-feira, 15 de maio de 2019

Coisas do destino

Sento-me à secretária e sou confrontado com as imensas coisas por acabar. Na escola ao fundo da rua, prepara-se o final do ano lectivo. O grupo musical ensaia músicas dignas dos bailes, matinées e chás dançantes de há umas décadas. Não deixo de ficar embevecido com a obstinação das coisas no tempo. Talvez fosse isso que Dali quis pintar em A Persistência da Memória. Os dias estão quentes, mas anuncia-se uma descida acentuada da temperatura. E eu acredito no prognóstico. Sinto desde ontem as velhas dores que chegam com a mudança do tempo. Deveria ter ido para ajudante de meteorologista, penso. Uns adivinham o destino pela conjugação dos astros e eu adivinharia o tempo pelas metamorfoses do corpo. Haveria ofícios piores e menos dignos. Maio já cumpriu metade da sua corveia. Não tarda, faz as malas e vai jornadear para o obscuro buraco de onde regressa todos anos. A música calou-se, mas os pássaros meus vizinhos, talvez levados por um estranho mimetismo, trilam em arroubos cujo significado será melhor não decifrar. Há que preservar os bons costumes.

2 comentários:

  1. Costumava rir-me com essa dos ossos meteorológicos, que antecipavam as mudanças do tempo, mas agora já não acho assim tanta piada.
    Agora que já sou velhota, constato que tudo o que me contavam (e eu não acreditava) é tristemente verdadeiro.
    E este Maio não me tem dado tréguas...
    Maria

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    1. Para dizer a verdade, sempre tive ossos meteorológicos. Até estava a estranhar, pois andavam desocupados, mas voltaram ao ofício.

      HV

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