Sento-me à secretária e sou confrontado com as imensas
coisas por acabar. Na escola ao fundo da rua, prepara-se o final do ano
lectivo. O grupo musical ensaia músicas dignas dos bailes, matinées e chás
dançantes de há umas décadas. Não deixo de ficar embevecido com a obstinação
das coisas no tempo. Talvez fosse isso que Dali quis pintar em A Persistência da Memória. Os dias estão
quentes, mas anuncia-se uma descida acentuada da temperatura. E eu acredito no
prognóstico. Sinto desde ontem as velhas dores que chegam com a mudança do
tempo. Deveria ter ido para ajudante de meteorologista, penso. Uns adivinham o
destino pela conjugação dos astros e eu adivinharia o tempo pelas metamorfoses
do corpo. Haveria ofícios piores e menos dignos. Maio já cumpriu metade da sua
corveia. Não tarda, faz as malas e vai jornadear para o obscuro buraco de onde
regressa todos anos. A música calou-se, mas os pássaros meus vizinhos, talvez
levados por um estranho mimetismo, trilam em arroubos cujo significado será
melhor não decifrar. Há que preservar os bons costumes.
Costumava rir-me com essa dos ossos meteorológicos, que antecipavam as mudanças do tempo, mas agora já não acho assim tanta piada.
ResponderEliminarAgora que já sou velhota, constato que tudo o que me contavam (e eu não acreditava) é tristemente verdadeiro.
E este Maio não me tem dado tréguas...
Maria
Para dizer a verdade, sempre tive ossos meteorológicos. Até estava a estranhar, pois andavam desocupados, mas voltaram ao ofício.
EliminarHV