sexta-feira, 24 de maio de 2019

Do cansaço da milícia

Sei bem que não sou dos melhores frequentadores da cidade. Tenho com ela uma relação esquiva que o passar dos anos acentuou. Não sei se será por isso ou por outro motivo que só os deuses conhecerão, a verdade é que, nestes dias de campanha, nunca me deparei com aquelas acções litúrgicas que os partidos políticos, em ano de jubileu, organizam para ganharem as nossas indulgências plenárias. Talvez tenham desistido de conquistar um lugarzinho no céu ou andem cansados, como eu, devido à inconstância do tempo. Ou talvez veja mal ou ande distraído, mas foi o que me ocorreu nesta tarde batida pelo vento, quando fui obrigado a palmilhar umas escassas centenas de metros para obter sábio conselho sobre um esotérico assunto fiscal. Não fora eu conhecer esta terra, até pensaria que estava num daqueles países ultracivilizados onde se  dispensam procissões e fogo de artifício para conquistar a benevolência de cada um. Não estamos. Aqui também é a Europa do Sul com a sua inclinação para a tragicomédia. Resta a hipótese dos actores locais estarem cansados e já não suportarem o peso da máscara que põem sempre que precisam de entrar no palco. A glória das coisas do mundo é transitória ou, para parecer culto e usar um latinismo em forma de analogia, apanhado no rabisco da internet, ut flatus venti, sic transit gloria mundi. Faço apenas notar que o flato é do vento, para que não se pense que, invejoso, misturo a glória mundana e certos odores originados nas catacumbas do corpo.

Sem comentários:

Enviar um comentário