quinta-feira, 9 de maio de 2019

Ortografias

Comprei há dias um romance de 1926, Volupia que salva, de um autor de que nunca ouvira falar, Tomás de Noronha, que assina modestamente por T. Noronha. O exemplar pertence à segunda edição, presumo, referida como 2.º milhar. No fim do livro, consta a informação que este se acabara de imprimir no ominoso dia 28 de Maio de 1926. O mundo está cheio de coincidências, pensei. Na rua tremula uma chuva fina, delicada, que parece aspergida para não ferir os mortais que vivem sobre a terra. Folheio o livro e vejo nele um sabor arcaico, um gesto de resistência ao passar do tempo, uma fidelidade à tradição. E não sabendo nada dele já me sinto disposto a reverenciá-lo. Não passo de um preconceituoso. A ortografia é a anterior à republicana simplificação de 1911. Não é pouco o prazer de observar a elegância do ele geminado em n’aquelles, ou o insidioso agá que se deixa ficar na sua mudez enquanto emana  uma última exhalação. E o que dizer do lúbrico ípsilon mancomunado com o parzinho indiscreto tê e agá no fulgor de uma hypothese? Tudo isto sem esquecer esse sempre emocionante encontro gráfico entre o passivo pê e o sempre volúvel agá com que a divina Aphrodite nos abençoa. O que há-de pensar uma pessoa, se está chover e a imaginação não lhe dá para mais?

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