Que estupor, exclamei de súbito. Referia-me a mim, mas não
se pense que me acho particularmente malcomportado ou falho de senso moral. Não
sou, porém (que prazer as adversativas), bom juiz em causa própria. Estupor não
no sentido do que sou mas no de estado em que me encontro. Em estado de
estupor. Estamos no âmbito da patologia e, logo, da medicina. Sentado e imóvel,
como se tivesse suspendido toda a actividade física e psicológica. Um zombie,
para atalhar razões. Foi assim que cheguei à tarde de sexta-feira e nem a
iminência do fim-de-semana parece oferecer um colírio para me retirar da
suspensão em que me arrasto. Como em tudo o que escrevo há uma inclinação para
a hipérbole e o melhor é franzir o cenho e duvidar do que digo. Acabei de
receber um telefonema a confirmar se eu mantinha a inscrição numa acção de
formação. Respondi que sim, claro. Não há nada como formações para nos
modernizarem. Se fosse uma consulta no dentista talvez aproveitasse a ocasião
para me escapulir, sendo uma oportunidade de ser amodernado não vejo como optar
pela fuga. Depois veio-me ao pensamento o quão bom e glorioso é viver numa
sociedade que trabalha arduamente para transformar um cansado e estuporado
conservador no mais rutilante dos inovadores. São aziagas as sextas-feiras,
diziam os antigos. Eles lá o sabiam.
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