Vejo flutuar nos ares aquele algodão que se desprende do arvoredo e penso que o tempo é propício para alergias. Ao escrever isto afundo-me na consciência da minha inaptidão, no vergonhoso recurso a metáforas e generalidades por incapacidade, devido a uma ignorância contumaz, de designar os objectos deste mundo. A verdade é que o algodão não é algodão e o arvoredo é composto por múltiplas árvores cujo nome nunca consegui conservar na triste memória. O que me vale é que não sou dado a alergias, murmuro, enquanto me recordo dos dias em que, na avenida marginal pejada de algodão, lançávamos fogo a essa penugem esbranquiçada e ficávamos a ver corredores de chamas entre as lajes irregulares que cobriam a terra, que, depois de cintilarem por instantes, morriam exaustas. Nesses tempos, um dos quiosques da avenida tinha um serviço de aluguer de barcos a remos. As pessoas davam curtos passeios pelo rio, aventuravam-se por baixo da ponte e os domingos de então passavam tão calmos como os de hoje. Julgo que não há algodão para incendiar nem barcos no rio. A nódoa do declínio nunca deixa de habitar aquilo que é grandioso.
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