Há um poema de Konstantinus Kavafis denominado Ítaca. Jorge de Sena traduziu-o. Trata não tanto de Ítaca, mas da viagem que se faz para sair dela e a ela retornar. O poeta grego, na tradução do poeta português, recomenda: Mas não te apresses nunca na viagem. É um belo conselho ao arrepio do tempo, que exige que se tenha cada vez mais pressa. A recomendação de Kavafis prolonga-se: É melhor que ela dure muitos anos, / que sejas velho já ao ancorar na ilha, rico do que foi teu pelo caminho. A viagem é uma metáfora da própria vida. E Ítaca? O poema acaba assim: Sábio como és agora, / senhor de tanta experiência, terás compreendido o sentido de Ítaca. Há um tom pessimista no belíssimo poema. Se a viagem é a vida, então Ítaca é a morte, esse lugar de onde se parte e a onde se chega. Dir-se-á que é absurdo o desejo de uma longa viagem, se o fim é a morte. Contudo, o que sabemos nós da morte de onde partimos e daquela a onde chegaremos? Esse pessimismo disfarça um optimismo que será, a meus olhos, inexplicável. O da esperança de que a experiência nos torne sábios e nos dê a compreensão dessa morte. Dar-nos-á, quando dá, a indulgência para com o destino, mas isso não nos traz qualquer compreensão, mas apenas a resignação.
Há lugar para algum optimismo na figura da transmissão possível. Verás os teus crescer, amadurecer e terás algo para lhes transmitir. Passarás a seta ao(s) próximo(s). A vida não se resume a ti e por isso não acaba com a tua morte. Há um sentido para a morte, mesmo inapelável e absoluta, sem além, ao fim de um longo percurso. Morrerás para que outros, aqueles que mais amas, possam viver. Não é resignação. Se a vida fosse eterna estarias condenado a viver eternamente com os mesmos as mesmas coisas. Não haveria lugar para descendentes, para os nascimentos, para a infância, para a descoberta.
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