Talvez precise de trocar de carro, pensei. Pus-me a fazer consultas na internet, fui acumulando páginas abertas. Resultado? Fechei-as e acabei por fazer a assinatura da revista Electra. Saiu-me bastante mais barato e dar-me-á muito mais prazer. Tirando o desvario da adolescência e do culto das corridas de automóveis, estes nunca me interessaram. Não gosto, inclusive, de conduzir. Por outro lado, o carro que pensei trocar não faz mais de 2 mil quilómetros por ano. A revista Electra, de que acabei de comprar o número 16, é pertença da Fundação EDP. Apresenta-se do seguinte modo: “Electra é uma revista internacional de crítica e reflexão cultural, social e política, dedicada às diversas áreas da cultura, promovendo diálogos e oscilações de fronteiras entre disciplinas artísticas, saberes humanísticos e ciência, entre teorias e práticas culturais.” Independentemente destas intenções – na verdade, não me comovem – a revista é um belíssimo objecto. Textos e imagens são, por norma, excelentes. O papel é de grande qualidade. Vale bem os 27 euros por quatro números anuais. O número da Primavera deste ano trata da questão da identidade. Tem um diário de Almeida Faria e um portfolio de trabalhos de Jorge Queiroz, além de muitas outras coisas, nas suas mais de 250 páginas. Um dos meus escritores de culto é o austríaco Thomas Bernhard, não tanto pelo seu teatro, que desconheço, mas pela narrativa. Pensava que tinha tudo o que estava publicado em Portugal. Há dias, numa das minhas vagabundagens pelos alfarrabistas online, deparei-me com um título que desconhecia, Betão. Certifiquei-me de que não era uma peça de teatro e comprei-o. Fora publicado em 1990, na excelente colecção Caligrafias, das Edições 70, anos antes de eu ter descoberto o autor e de me ter tornado um seu leitor fiel. Bernhard chegou a viver em Portugal devido à doença pulmonar de que sofria. A Áustria não teria ares amenos para a sua situação. Acabou por morrer cedo, tinha acabado de completar 58 anos. Uma vez recomendei-o a uma amiga brasileira. Odiou. Ela precisava de visões optimistas para certificarem a sua visão optimista do mundo e do futuro. Em Bernhard não há, felizmente, nada disso. Dos autores descobertos já na fase da vida madura, apenas dois me tocaram. Ambos de língua alemão. Bernhard e W. G. Sebald, que também morreu cedo, com 57 anos, num desastre de automóvel. Agora vou ler diário do Almeida Faria, antes que me venham buscar para ir comprar – imagine-se – vinho para uma festa de alguém que se tornou septuagenário. Fiquei responsável por essa incumbência. Ainda gostava de saber a razão.
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