Diante de mim, um livro publicado em 1940. Tem uma assinatura e, como data, apenas o ano de 1942. Isto na parte superior da terceira página. Na parte inferior, todavia, existe uma dedicatória e uma assinatura. Existe também a data de 16-XI-59. Percebe-se que, apesar de diferenças assinaláveis, é a mesma assinatura. A de uma mulher, embora não se consiga decifrar o nome. Terá comprado o livro em 1942 e ofereceu-o à filha e ao genro dezassete anos depois. Aliás, tenho outro livro da mesma autora com a assinatura da filha com a data de 21 de Fevereiro de 1942. Parecia haver aqui uma tradição familiar na compra de livros, mas chegou o dia em que essa tradição desapareceu e a biblioteca familiar – se é que havia uma biblioteca – foi vendida a alfarrabistas, o que me permitiu muitas décadas depois comprar ambos os livros. Que pessoas seriam aquelas? Teriam alguma posição social. A filha era tratada por um diminutivo que só ocorreria em classes socais com algum estatuto. A mãe sabia escrever e tinha uma letra que denotava não possuir apenas uma educação básica. Além disso, lia. O que lia ela e a filha? Sarah Beirão. Portanto, uma família culta, mas esteticamente ancorada no passado. As senhoras deviam ler, faria parte da educação, talvez mesmo da educação sentimental. Aliás a colecção onde os livros de Sarah Beirão se inserem, Colecção Portuguesa de Domingos Barreira – Editor, afinam pelo mesmo diapasão. A maior parte dos autores são desconhecidos, mas os títulos não enganam. Perguntar-se-á como sei eu que uma das mulheres é a mãe e a outra, a filha? Porque antes da assinatura da oferta se encontra a expressão da mãe mt amiga. Está uma segunda-feira melancólica. A temperatura, por aqui, não chegou sequer aos 24 graus. Felizmente, mas o dia está coberto com um véu – uma mantilha – de nostalgia. Quase que sinto uma funda simpatia por estas senhoras de boa sociedade provinciana. Como é que eu sei que eram da província. No livro da filha, está lá o nome do local onde vivia, uma cidade, nos dias de hoje, da Beira. As coisas que se descobrem com pequenos vestígios. Ou pelo menos imaginamos descobrir, para virmos aqui narrar como se estivéssemos num serão de província.
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