Para um feriado, saí cedo de casa. Umas compras a fazer, coisa para despachar rapidamente, e poder dedicar-me a uma das minhas actividades preferidas, isto é, não fazer nada. Eram nove da manhã quando estou a passar por um sítio onde lavam carros. Espreito para ver se estava aberto. Estava, havia dois empregados e apenas dois carros para lavar. É hoje, pensei. E não vai demorar, disse para comigo. Entrei. Era o terceiro, coloquei o carro na fila e aguardei sentado num banco de madeira. A organização empresarial foi benévola para mim e ofereceu-me duas horas e meia para estar ali sem fazer nada, enquanto os funcionários aspiravam e lavavam as viaturas com ademanes de amantes apaixonados e carinhosos. Acariciavam e massajavam os carros, tudo sem pressa, pois o amor é coisa para saborear com lentidão. Por mim, e apesar de gostar de não fazer nada, preferia que a lavagem fosse menos erótica, mais veloz, que o amplexo entre os funcionários e as viaturas, caso fosse mesmo necessário, não ultrapassasse a amplitude de uma rapidinha, e não se tornasse aos olhos de todos uma ménage poliamorosa com requintes de filme erótico para ocupar três horas as salas de cinema. Perdida a manhã, decidi ir pôr gasolina. Aqui, além da manhã, perdi o dinheiro. Perdido por cem, perdido por mil, vou ver a pressão dos pneus. Indescritível. Estava miseravelmente baixa. De tal modo que num deles a máquina se recusou a trabalhar várias vezes. Prometi a mim mesmo que cada vez que for trocar euros por gasolina hei-de ver a pressão dos pneus. Entre mim e os carros não há qualquer mediação de Eros. O investimento do meu desejo não recai sobre eles. Por mais curvas ondulantes que tenham, não me acendem a libido. Portanto, carro meu tem todas as razões para me ser infiel. O tempo aqui continua tempestuoso. Chove e troveja. A tensão existente não é minha amiga. Rouba-me o prazer de não fazer nada. Vou ocupar-me de alguma coisa.
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