Começámos mal, e o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Descubro que tenho uma autêntica colecção de provérbios ao gosto popular. Isso mostra que o meu pensamento, caso tenha um, é puro senso comum. Este mal começar refere-se a Portugal, este país soalheiro, inclinado para o Atlântico, onde se comem farturas e se acompanham as imperiais com pires de tremoços. Como a minha ignorância é muito vasta, não sabia uma coisa que só hoje descobri. A Bula Fratrum Nostrum, de 18 de Junho de 1116, do Papa Pascoal II, reconhece D. Teresa de Leão, a mãe de Afonso Henriques, como Rainha de Portugal. Mais, ela foi reconhecida como Rainha também por Urraca de Galiza, Leão e Castela, sua irmã, e, posteriormente, pelo filho desta, Afonso VII de Galiza, Leão e Castela. Depois, as coisas entornaram-se entre as irmãs e, como costuma acontecer, houve guerra. Afinal, o primeiro rei de Portugal foi uma rainha – assinava: Ego regina Taresia de Portugal regis Ildefonssis filia – o que não deixa de ser particularmente perturbador para nós, homens portugueses, os mais másculos neste mundo e mesmo no outro. Em vez de um patriarca, um macho alfa autêntico, temos uma matriarca originária. O que nasceu torto, porém, não foi o facto de ser uma rainha e não um rei que inauguraram esta aventura, mas aquela história da batalha de S. Mamede. Um acto de sedição. Mal a coisa tinha começado, tivemos logo direito a um golpe de Estado. Ainda por cima, a revolta de um filho contra a mãe, o que dá uma tonalidade psicanalítica, embora invertida, à nossa nacionalidade. Não sei como se poderão sentir todos os varonis aficionados deste meu Ribatejo, educados numa tradição monárquica que remonta a Afonso I, sempre prontos à camaradagem máscula para defrontarem os toiros, quando souberem isto, que afinal foi uma mulher quem, pela primeira vez, pegou o toiro pelos cornos, isto é, o governo de Portugal. Por mim, não me importo que o primeiro rei tenha sido uma rainha, já vi no mundo muitas coisas, mas que se lhe dê o nome pelo qual assinava. Ter uma D. Taresia por rainha é muito diferente de ter uma qualquer Teresa. Começou a semana, e a utilidade desta não faz bem a ninguém.
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