Na sexta-feira, passei o dia a julgar que estava no sábado. Ontem, não foram poucas as vezes que pensei ser domingo. Hoje, porém, não acho que seja segunda-feira, mas também não acho que seja domingo ou outro qualquer dia da semana. Há dias assim, dias que não estão azados para serem seja o que for. São dias sem qualidades. Tanto podem ocorrer ao fim-de-semana, como durante a semana, naqueles dias a que se deu, pela sua inutilidade, o nome de dias úteis. Não se pense que venho aqui, como o fez o genro do senhor Marx, fazer o elogio da preguiça. Ela não precisa de elogios. O pior é que é um pecado capital. Começou por ser designado acédia, mas alguém achou por bem mudar-lhe o nome. Estava, porém, a falar dos dias sem qualidades. O que distingue as coisas e lhes dá a sua individualidade é as qualidades, ou, melhor, a combinação destas. Portanto, hoje vivo um dia indistinguível, pura substância sem acidentes. Imagino que estas ideias só me ocorreram depois de almoço, o que pode ser um sinal de que não bebi água à refeição. É uma possibilidade, mas não confirmo nem desminto. Seja como for, quem me falou de acédia foi o padre Lodo, na chamada dominical. Costuma dizer que ao domingo tem de dizer missa e falar com os amigos. Desconheço a ordem pela qual cumpre a tarefa. Seja como for, disse-me que estava a sofrer de acédia. Temia estar estuporado e não se interessar nem por ele nem pelo que se passa no mundo. Ando há dias assim, vociferou. Sugeri-lhe um psicanalista. Ele riu-se. Não sabe que sou jesuíta, perguntou-me. Sei, sei bem, mas talvez ajudasse. Um jesuíta não se psicanalisa. Confessa-se. Respondi que no foro da consciência de outrem eu não me intrometia. A cada um a sua fé. Ele riu-se e perguntou-me quando iria a Lisboa. É que tinha descoberto um pequeno restaurante que merece bem uma visita demorada. Eu pensei que a acédia era sol de pouca dura.
Sem comentários:
Enviar um comentário