Talvez seja uma doença, uma adicção. Logo de manhã, recebi um, ou será uma?, sms indicando que o livro que tinha encomendado já estava na pequena fnac que há nesta pequena cidade. Não me precipitei. Deixei passar a manhã e quando, nas torres das igrejas, batia a uma da tarde entrei pela superfície comercial, mas não me dirigi logo ao balcão para fazer o levantamento. Havia que ver os livros. Estava a olhar para as estantes quando me lembrei que um amigo me tinha dito que o último romance do Houellebecq, Aniquilação, é bastante bom. Procuro-o e lá estava ele com os seus 4 centímetros de lombada e 640 páginas. Ao lado estava Serotonina, o penúltimo do mesmo autor e que não tinha comprado. Este é mais comedido. A lombada não chega aos 2 centímetros e as páginas não alcanças as 280. Já podia dirigir-me ao balcão para levantar o que tinha comprado online, o romance de Almeida Faria, Cortes. Quando me desloco da estante para o balcão passo por um outo móvel pejado de livros. Fico a olhar. Peguei num pequeno livro de Ludmila Ulitskaya, um romance denominado Sonechka, com uma miserável lombada de 1 centímetro e que não chega às 120 páginas. Mais centímetro, menos centímetro, peguei também nele. Podem achar que interessar-se pelos centímetros das lombadas é coisa de gente que enlouqueceu. Não os desminto, mas o problema é que cada 10 centímetros de lombadas exigem 10 centímetros de estante. O que me levou a comprar o livro da Ulitskaya foi o que dizia numa das badanas: Para Sonechka, a leitura tornara-se uma forma ligeira de loucura, que não a abandonava nem durante o sono: dormia como se estivesse a ler os seus sonhos. Sonhava com romances históricos cativantes e, pela natureza da acção, adivinhava o tipo de letra e, estranhamente, sentia os parágrafos e a pontuação. Isto convenceu-me. Nunca tive inclinação para o romance histórico, mas, agora que não tenho pouca idade, descobri que isso era um erro. Eles são uma espécie de ficção científica ao contrário. Esta, muitas vezes, inventa mundos futuros. Os romances históricos inventam mundos passados. Que diferença há entre eles e os romances que se presumem num presente? Nenhuma, pois todos fazem o mesmo. Inventam um tempo. Agostinho de Hipona, um converso ao cristianismo, num arrebatamento confessional escreveu: Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei. Estas palavras têm sido citadas milhares e milhares de vezes, como introdução ao enigma do tempo. Talvez não exista enigma nenhum. Porquê? Porque não existe tempo. Então por que razão temos a sensação de que ele existe? Porque contamos histórias. O tempo é aquilo que as nossas histórias – os romances, por exemplo – inventam. Uma curiosidade. A Ludmila Ulitskaya e o Almeida Faria nasceram ambos em 1943. Ela nos Urais e ele no Alentejo. Não se pode dizer que sejam sítios fáceis para nascer.
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