Abro um livro e encontro de imediato uma dedicatória da autora a uma prezada amiga, seguindo-se o nome desta. O texto data de 10 de Abril de 1944. A escrita é espantosa, pois completamente incompreensível, com excepção de raras palavras. Estas mais se adivinham do que se lêem. É uma escrita com letras enormes, inclinadas para a frente, combinando arestas vincadas e ameaçadoras com enormes arcos, como se certas letras sofressem de uma gravidez adiantada. Pouco consegui perceber, mas a pessoa objecto da dedicação não seria das relações próximas da romancista. Se o fosse, a prezada amiga seria querida amiga. Se ainda fosse mais próxima constaria apenas o nome. As palavras nunca deixam de trazer com elas os marcos com que se assinalam as distâncias. Ora as distâncias entre as pessoas pertencem a uma ordem subtil que vai muito para além das distâncias sociais. A noite já caiu, mas na praceta ainda há um vozear adolescente que, com corridas e gritos, enfrenta o frio. Sim, é o vozear adolescente que enfrenta o frio e não os adolescentes. Estes são apenas o suporte daquele vozear, a possibilidade escolhida para ele se revelar. Esperam-me ainda algumas actividades. Há dias que nem a noite lhes põe fim.
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