Mais um Natal quase passado. Foi o que me disse hoje de manhã o padre Lodo, durante o longo telefonema. Desde que nos conhecemos, nunca deixou de ligar na véspera de Natal. Fui acompanhando no decursos dos anos – ou das décadas, para ser mais fiel à realidade – o estado de espírito natalício deste meu amigo. Foi-se transformando, mas, no essencial, manteve-se idêntico. Fiz-lho notar e ele respondeu-me que o Lampedusa tinha razão, que é preciso que alguma coisa mude para que tudo permaneça. A formulação não é bem essa, acrescentou, mas a que fiz serve para descrever a realidade. Mantive-me fiel, continuou, ao que era no início, mas desconfio que nisso não tenho qualquer mérito. Todos são fiéis a si próprios, mesmo que não dêem por isso. Aquele que trai aquilo em que acreditou não deixou de ser fiel a si, pois nele haveria já um não crer. Parece-me, disse-lhe, um discurso herético. Há um determinismo incompatível com o livre-arbítrio, o que contraria a doutrina da Igreja. Talvez, talvez, respondeu, mas é plausível que a omnisciência divina ou a legislação da natureza ainda sejam compatíveis com essa estranha ideia de que possuímos liberdade de escolha. A metafísica, porém, cansou-me há muito. Não era, aliás, nem o meu forte, nem o meu interesse, fazia parte da paisagem onde um jesuíta tinha de viver. A paisagem, porém, transbordava de assuntos, muitos dos quais me interessavam mais do que esse. Depois, mudou de conversa e informou-me que Castorp viria a Lisboa com a mulher e que esperava que nos encontrássemos todos. Sem dúvida, respondi. Antes de desligar, perguntou-me se já tinha comprado os presentes todos ou se tinha guardado algum para a última hora. Respondi-lhe que a vida me tornara previdente. Desejei-lhe um feliz Natal e ele respondeu-me com um santo Natal.
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