Ao entrar, há pouco, no escritório, senti uma pequena alegria. O sol, no seu caminho para o ocaso, ainda brilhava com veemência e inundava o espaço onde me sento. Entrava por uma janela que, por norma, mantenho fechada, mas que um súbito acaso me levou a abri-la ainda antes da hora de almoço. Naquele instante, senti o que há de benfazejo na vida e no mundo, apesar de ser apenas um sol outonal. Agora, enquanto escrevo, tudo mudou. O crepúsculo aproxima-se com rapidez e não tarda a noite estará cerrada sobre a cidade. Vou esquecendo muitas coisas a que, noutros tempos, terei dado importância, mas não são poucas as vezes que me lembro de como o sol incidia na brancura das paredes da casa onde nasci, ou como o vento soprava diante da escola primária, ou como a água corria apressada rua abaixo, e eu a olhava da janela de uma casa onde passei parte da minha vida. Também sou revisitado por aquelas noites de Verão em que o vento vindo da serra domesticava o tropel do calor. São múltiplas as formas como nos relacionamos com a terra e o céu. Tratam-se de relações físicas, onde o corpo com os seus sentidos desempenha o papel principal. Mesmo quando, numa noite transparente e sem poluição luminosa, ficava a contemplar, com demora, aquilo que os olhos captavam do universo e o enigma do que via se transformava numa emoção contida, era ainda a relação do corpo com esse universo que era o fundamento dos pensamentos que então me assaltavam. Nem o infinito e o sem medida escapam ao corpo para se tornarem motivo puramente espiritual. É na finitude e na limitada medida do corpo físico que encontro o ponto de partida para o desmedido e para o que nunca terá fim.
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