No email, uma factura de etectricidade e gás. O valor será descontado a partir do 15 de Abril, informam-me. Estranho a antecedência, mas os serviços de facturação podem estar a ser afectados pela aceleração do tempo que deverá estar a ocorrer neste planeta. Se houvesse uma prosódia da vida, tudo seria senão mais fácil, pelo menos mais ritmado, evitar-se-iam as arritmias e as entradas antes ou depois de tempo. Poderíamos viver sob uma dada métrica. Uns viveriam como versos heróicos, outros como sáficos. Isto para aqueles que se ficariam pelo decassílabo. Quem sofresse de acentuado narcisismo vestir-se-ia de alexandrino e poderia pensar que ora era o maior, ora que era dois, caso o afectasse a cesura no meio do verso. Os dados ao fado viveriam como redondilhas maiores, os mais humildes como redondilhas menores. A vida seria então um concerto, ritmada, nada de surpresas na musicalidade social. O pior, porém, é que toda a gente acha que é verso livre, o que introduz uma acentuada contingência nas relações sociais, pois nunca se sabe se estamos a lidar com um verso descomunal, daqueles que ocupam quase toda a largura da folha, ou com um mínimo, não mais que uma ou duas letras, talvez três, formando uma palavra raquítica que se esganiça para parecer um verso. Ocorreu-me, neste momento, que a aceleração do tempo pode estar ligada à introdução do verso livre. Enquanto os versos não se tinham emancipado, o tempo andava regulado pelo ritmo das estações, dos relógios e dos calendários. A vitória do verso livre, ao introduzir incerteza prosódica nas relações sociais, assim como a há, segundo Werner Heisenberg, no interior do átomo, descompassou o tempo e este começou a acelerar, acelerar, um celerado e não apenas um acelerado. Por isso terei recebido a factura três semanas antes de ser descontada. Pergunto-me se a aceleração do tempo não terá implicação sobre o ser, mas aqui estou a entrar por campos inúteis, ainda por cima em Domingo de Ramos.
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