Palavras

Poderia começar por roubar um verso, por exemplo Há palavras que requerem uma pausa e silêncio. Foi um assalto à propriedade privada de Herberto Helder. Que motivações para o esbulho? Apeteceu-me e, na verdade, os apetites são a justificação de muitos dos nossos actos. Poderá haver outros, mas não me ocorrem. Que palavras serão essas que requerem uma pausa e silêncio? Pausa significa suspensão do movimento, silêncio, suspensão do som. Ora, o que as pessoas mais amam é o movimento e o ruído. Adoram mover-se de um lado para o outro, turistas incansáveis, e cultivam o seu barulho como um direito natural, protegido constitucionalmente e, acima disso, por qualquer cânone moral. Significa tudo isto que há palavras perigosas, tão perigosas que põem em causa direitos constitucionais e naturais. Roubei há pouco três amêndoas de chocolate e canela, embora não sejam palavras. As pobres amêndoas, por causa dista história da frequência de uma nutricionista, perderam todos os direitos, sejam eles naturais ou positivos. Existem, mas estão escondidas, para que as pessoas que se juntarão aqui amanhã as possam desfrutar, enquanto eu tenho de pensar sei lá bem em quê, fazer jejum num dia de festa, olhar para o lado e fingir que não vejo nada. Isto é, terei de suspender qualquer movimento em direcção ao prazer e não resfolegar, quanto mais emitir qualquer som que tenha o odor do protesto. O encontro de hoje com a balança até foi simpático, mas a simpatia não é tudo na vida. Em vez de amêndoas de chocolate e canela tenho diante de mim um texto que diz o seguinte: A reprova di quanto sto dicendo si considerino gli argomenti che sono stati addotti per dar una giustificazzione razionale a una regola… E o texto continua, neste italiano quase compreensível, mas onde não discirno qualquer palavra que requeira pausa e silêncio. Talvez, imagino agora, essas palavras sejam as sete últimas palavras de Cristo na Cruz. Por exemplo, na obra de Joseph Haydn, Septem verba Christi in Cruce. É o que vou ouvir, neste Sábado de Aleluia.