Está frio, chove, um dia triste, tristíssimo, de uma tristeza sem fim, ou sem início, ou sem qualquer outra coisa. O essencial é a falta de qualquer coisa, pois haverá sempre qualquer coisa para nos faltar. Estou a ficar confuso e o texto está a perder o nexo. Agora, segundo percebi, as novas gerações dizem não tens noção. No meu caso, estarei a perder a noção, caso alguma vez a tivesse possuído. O não tens noção é um desconhecer absoluto e quando é atirado como arma de arremesso significa que o alvo é burro todos os dias. Enquanto eu, sem noção, me perco em conversas destituídas de qualquer interesse e também de noção, há coisas terríveis a acontecer por esse universo fora, como, por exemplo, a explosão de um buraco negro a 800 milhões de anos-luz, buraco que era um objecto em pura quietude e agora, a cada 8,5 dias, emite massas de gás, para depois retornar ao estado contemplativo de um Buda universal. Segundo os cientistas é um soluço periódico, uma metáfora para embelezar a situação, digo eu, mas que não consegue estabelecer a relação analógica presente em toda a verdadeira metáfora, pois do soluço ouve-se o som, mas não se vê o gás. Podiam dizer, com maior propriedade, que é um buraco negro vítima de flatulência. Há outras explicações talvez mais plausíveis e menos patológicas. O buraco negro não é mais do que o fornilho de um cachimbo gigante, usado por um fumador descomunal e aqueles gases são o fumo do tabaco evolando-se para uma atmosfera longínqua. É preciso ter noção para se encontrarem metáforas decentes e nem sempre os cientistas têm a criatividade poética e retórica necessária para explicar a estranha realidade que descobrem. Se me consultarem, não terei problemas em oferecer meia-dúzia de metáforas e, caso precisem de mais, cobrarei à peça – isto é, à metáfora – com um desconto para ajudar o desenvolvimento da ciência. Ainda oferecerei um par de metonímias, três oxímoros e um cartucho de anáforas.
É muito generoso, Sr. Peregrinatio. Eu quedava-me a observar, estupefacta, as volutas do charuto de Pedro Cabrita Reis.
ResponderEliminarNão foi generosidade. Não me ocorreu. Um narrador não depende dos factos a narrar, mas daquilo que lhe ocorre.
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