Olhei
para a rua e pensei parece Primavera. Fui investigar e descobri que ela
começa hoje. Quase deixava passar a efeméride, eu que colecciono, neste espaço
de inutilidades, todas as efemérides que me ocorrem e mesmo aquelas que não o
sendo acabam por sê-lo por minha designação. Aqui gozo de uma ampla liberdade
de conformação da realidade. Amanhã, caso isso me venha a ocorrer, poderei
comemorar a efeméride do dia 21 de Março do ano de 2024. Dir-me-ão que isso e
uma contradição nos termos. O dia de amanhã é único e irrepetível, logo não
cabe no conceito de efeméride que se liga à comemoração de um acontecimento
importante, que depende da memória e daquilo que é memorável. Ora, na minha
liberdade de conformar a realidade, inscreve-se a de torcer os conceitos até
que caibam neles aquilo que me apetecer. Se for essa a minha vontade, declarei o
dia de amanhã como digno de ser uma efeméride, embora não pretenda comemorar
nada e espero, do fundo do coração, que ele não seja um dia memorável. O melhor
é fugirmos dos dias memoráveis, pois raramente o memorável e o bom coincidem.
Sim, eu sei, há as datas históricas, como o primeiro de Dezembro, mas essas não
contam, pois são sempre memoráveis e boas para uns e esquecíveis e detestáveis para
outros. Perguntei ao Gemini, a inteligência artificial da Google, se
existe algum Dia Internacional do Segundo Dia da Primavera. Ele disse-me
que não, mas, manhoso, recorreu à adversativa e deu-me algumas pistas para
explorar. Uma delas diz que há, em algumas aldeias de Portugal, a tradição de,
no dia 21 de Março, “acordar a Primavera”, com rituais que envolvem música,
dança e fogueiras. Afinal, amanhã terei direito a efeméride sem ter de a criar,
caso me lembre. Acordemos, dionisíacos, a Primavera. Haverá procissões de ménades?
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