quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Autoficção

Nestes dias, quando ando mais cansado, sou acometido pela dolorosa questão de falta de assunto. Não há nada mais triste do que um narrador sem objecto para narrar. É então que deslizo para aqueles textos insuportáveis sobre teoria literária, coisa de que pouco sei e de que pouco quero saber. Hoje, mais uma vez, caído no pântano de não ter nada para dizer, fui atingido por uma questão que se inscreve nesse campo que desdenho. Poderão estes textos ser exercícios de autoficção? Depois, acalmei-me. Na autoficção, o autor não esconde a sua identidade, embora manipule os factos. Ora, aqui está uma consideração que me liberta do peso de ser um autoficcionista, um infeliz epígono da Annie Ernaux, de quem nunca li uma linha, e de Karl Ove Knausgård, de quem li as linhas suficientes para completar os dois primeiros romances de A Minha Luta. O autor deste blogue não apenas esconde a sua identidade, como esconde a minha, a do narrador: nunca há a certeza – nem nele, nem em mim – se coincidem ou não. É verdade que, muitas vezes, os factos são manipulados, mas isso não faz do autor um autoficcionista, apenas um mentiroso. Por exemplo, hoje tive uma longa conversa telefónica com o padre Lodo, o meu velho amigo Lodovico Settembrini. Falámos de pessoas conhecidas e, fundamentalmente, de restaurantes e encontros de amigos, coisa que ele, apesar de membro da Sociedade de Jesus, não dispensa.  Disse-me uma coisa que me fez rir. Parece, disse-me, que o Leo Naphta, vem a Portugal. Não tenho paciência para o aturar. Nunca tive. Eu ri-me e perguntei-lhe pela caridade cristã. Até a caridade cristã tem limites. O Naphta não cheira a nafta – continuou. Tem um odor sulfuroso, asseverou. Recordei-lhe que não lhe competia fazer julgamentos, ainda menos dessa amplitude. Então, mudou de assunto e informou-me que estava a ler um romance de uma autora de autoficção, mas que iria parar. Tinha menos paciência para ela do que para o seu inimigo – interpretação minha, não palavras dele – Leo Naphta. Foi o padre Lodo que me salvou do pântano em que a minha imaginação soçobrava e me abriu o caminho para a autoficção. Combinámos almoçar no sábado. Com o tresmalhado do Naphta, claro.

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