De tão ocupado, nem dei pela passagem desta sexta-feira. Melhor: quando dei por ela, já a luz do dia se tinha apagado e a noite tomara conta de tudo, inclusive de mim. Talvez tenha sido por isso que adormeci há pouco. Isso prova que a noite é um soporífero. Talvez estes textos sejam como a noite: escuros e soporíferos. Começo a escrever e o dia vai-se apagando à minha volta, até que, ainda antes de acabar, tudo fica negro — uma noite de lua nova. Aí, o que resta a quem lê? Adormecer. Isso deu-me uma ideia que nunca me ocorrera, mas talvez não seja muito dotado de imaginação ou de inteligência. Quando estou com aquelas insónias desagradáveis e me ponho a ler coisas que os outros escreveram, o sono parece afastar-se, mais e mais. Ora, sensato seria pôr-me a escrever, até que o efeito soporífero me trouxesse o sono desejado e tudo se apaziguasse entre mim e mim ao abrir os olhos e a manhã clara já ter derrotado, com a lança da aurora, uma noite débil que deixara o escudo no canto do quarto. Quem ler este texto — já é a segunda referência a um possível leitor — pensará que estou sem assunto. Isso não é verdade. Por exemplo, podia comentar, e com proveito, um excerto de Isaiah Berlin. Diz ele a Paul Simon: Creio que acredita verdadeiramente que prefiro raposas a ouriços, mas não é assim. Não existe nenhum poeta maior do que Dante, nenhum filósofo maior do que Platão, nenhum romancista mais profundo do que Dostoiévski. Ainda, claro. Estes, apesar de maiores, ou por o serem, são todos ouriços. A ideia parte de um verso de Arquíloco: A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma grande coisa. Poderia discordar, e com algumas razões dignas de serem atendidas, que Platão fosse um ouriço. Mesmo Dostoiévski poderia ser muito menos ouriço do que pensa Berlin. Concederia, sem discussão, que Dante é um ouriço. Ora, isso conduziria o texto para a elaboração de taxonomias, o que, na minha mão, poderia ter um efeito de tal modo soporífero que poderia adormecer durante três dias e três noites. Isso ultrapassaria a justa medida, coisa que entraria em choque com a minha virtude, e eu vejo-me como um narrador virtuoso, embora não um virtuose da narração. Acabei de bocejar.
Sem comentários:
Enviar um comentário