sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Caos e gravitas geométrica

Hoje é o último dia de Fevereiro, mas foi já um dia de Março, caso se leve em consideração a sabedoria coagulada em ditados, máximas e provérbios ao gosto popular. Na realidade, do dia de hoje poder-se-á dizer: Março, marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão. Falo disto porque fiz a experiência. Saí de manhã, estava frio e chovia. Depois de almoço, tudo mudou. Pouco depois das quatro da tarde, fui fazer a caminhada do dia e estava sol, uma temperatura agradável, anunciadora da Primavera a vir lá mais para a frente. Seja como for, a situação irrita-me. Sofro de um espírito geométrico e detesto ver o mundo desarrumado. Quando falo de mundo, refiro-me, no caso, às divisões do tempo. Choca com a geometria que me habita a alma esta sobreposição de estações. Em linguagem poética, posso dizer que abomina o encavalgamento: que cada verso comece e termine em si mesmo e não estenda a perna para verso do andar de baixo. Quem diz verso, diz estação ou mês do ano. Que o Inverno comece no primeiro dia de Inverno e acabe no último. Que Março não se antecipe e abalroe Fevereiro. Haja ordem. É evidente que estas disfunções, estes tumultos antigeométricos, me ferem o espírito, porque o meu espírito e a minha alma, apesar de geométricos – e muito século XVII – são caóticos. Veja-se, como exemplo, estes textos: começo a escrever sobre uma coisa, logo salto para outra, numa indisciplina que faria horror à gravitas geométrica de um Espinosa ou ao animus matemático de um Descartes. A minha revolta é um caso de compensação, que é o que acontece com todos aqueles que se revoltam, com grande excitação, sobre um qualquer estado do mundo. Fora eu mais geométrico, e aceitaria de bom grado o caos que resulta quando se escande o ano à procura de uma métrica regular e só se encontram versos livres.

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