Habituados à cegarrega dos meses com trinta e trinta e um dias, nunca se deixa de estranhar as incongruências e inconstância de Fevereiro. Incongruente, porque o número de dias se fica na casa dos vinte, enquanto a dos outros meses está, como disse, na dos trinta. Parece ser o irmão mais baixo, neste caso, mais pequeno. Inconstante, porque varia, embora com constância, entre os vinte e oito e os vinte e nove dias. Este facto, embora ninguém acredite, introduz um factor de perturbação na ordem do mundo. Se o calendário admite um irregularidade, então podemos temer que seja a porta por onde pode entrar o caos. E é sempre o tempo que nos traz o caos. O pior é que, além da grande irregularidade de Fevereiro, o calendário que nos cabe em sorte tem outras fissuras desagradáveis. Meses pares e meses ímpares, por exemplo. E a própria regularidade pode ser um factor perturbante, como é o caso de Julho e Agosto terem ambos trinta e um dias, sem que, entre eles, se interponha, como é a regra, um mês de trinta dias. Foi isto que me ocupou toda a tarde. Meditar nos perigos que se escondem no escandir do tempo. E se as pessoas acham que este a prosa é fruto do desvario de uma mente desocupada, estão enganadas. Uma mente, mesmo a mais mentecapta, nunca está desocupada, pois é atravessada por inúmero fluxos de consciência. Depois, porque estas perturbações no calendário são, na realidade, aberturas por onde entra o caos. É só observar o estado do mundo. Num certo dia do calendário, um louco assume o comando de um país, num outro dia, outro louco ou o mesmo começa uma guerra. E não há louco nenhum que chegue ao poder ou comece um loucura trágica que não inscreva esses acontecimentos em dias do calendário. Tudo isto porquê? Porque o calendário, com as suas irregularidades e imperfeiçoes, abre a porta – ou o portão – para que essa gente chegue com a caterva de males que estavam presos na caixa da pobre Pandora. E se querem saber o que era a caixa de Pandora, posso explicar. A caixa de Pandora era um calendário perfeito e regular, onde não havia brechas nem fissuras. Trocado esse calendário racional e benevolente pelo nosso – seja em versão juliana ou gregoriana –, os males começaram a escapar-se, e estão a fazê-lo cada vez mais rapidamente. Fica por aqui o meu contributo para dar sentido a história humana. Não convém passar os limites da revelação, pois, como se sabe, a espécie humana não suporta demasiada realidade ou demasiada verdade.
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