terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Da falsidade e da falsificação

Benjamin Constant criticou a ambição de Saint-Simon de levar o mundo de um estado transitório para um estado definitivo. Constant não se esqueceu de sublinhar que nada é definitivo sobre a terra. Uma evidência, mas, como todos os cultores de evidências, esqueceu-se de que o homem é uma máquina desenhada para, em certas ocasiões, desconfiar das evidências, mesmo que não sejam falsas evidências, e de se inclinar repetidamente para aquilo que nega as evidências e a própria factualidade. Saint-Simon era um membro dessa confraria maquinal que preferia a negação da evidência à própria evidência. Seria melhor sonhar um mundo definitivo do que contentar-se com a contínua transitoriedade de tudo. Essas ilusões ou fantasias não são erradicáveis da nossa espécie. A cada momento, aceitamos como verdadeiro o que é falso. Não por odiarmos a verdade, mas porque a falsidade – vinda em forma de ilusão, fantasia, devaneio, utopia ou mera mentira factual – nos faz falta. Precisamos de nos auto-iludir, para além de iludir os outros. Caso se aceite o evolucionismo darwiniano – e este narrador aceita-o –, teremos de nos perguntar por que razão o longo processo evolutivo pelo qual tem passado a nossa espécie não eliminou a propensão da humanidade para a falsificação. Ora, a resposta talvez seja simples: porque essa inclinação é uma vantagem competitiva da espécie no processo de adaptação ao meio. Com isto, não se afirma que este narrador despreza a verdade e a troca pela mentira. Diz uma coisa mais simples: a humanidade precisa de ambas e, provavelmente, sem qualquer delas, sucumbiria e entraria no extenso rol das espécies desaparecidas. Erradicar o falso é uma empresa tão inútil como erradicar o verdadeiro. O que será preciso é aprender a lidar com ambos e perceber qual é o papel da falsificação na vida dos homens. De há uns anos a esta parte, no espaço público, tem-se observado uma enorme batalha contra as denominadas fake news. A batalha parece perdida, pois não se percebe por que razão são produzidas – embora os combatentes das fake news estejam convencidíssimos de que conhecem muito bem essa razão – e percebe-se ainda menos por que motivo são não apenas acolhidas com agrado, mas intensamente desejadas. Se se quer lidar com as fake news, então há que perguntar pelas razões que levam as pessoas a revoltar-se contra a realidade e contra a verdade que descreve essa realidade. Por isso, muitas das afirmações que se fazem nestes textos são meramente ficcionais – um eufemismo para adoçar o facto de serem puras falsidades.

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