sábado, 1 de fevereiro de 2025

Guinchos extraterrestres

Aterraram no parque aqui em baixo, mas não são extraterrestres, apenas guincham como tal. São crianças humanas, demasiado humanas. Eu percebo-as, estão na idade do guincho, uma fase inicial da relação com a voz. Anoto isto porque me estão a incomodar o sono. Eu sei que o efeito é benéfico, pois evita que adormeça enquanto estou a escrever estas coisas, mas há nisto um conflito de liberdades. A liberdade de crianças, com vozes de extraterrestres, de guincharem como extraterrestres a aterrar na Terra e a liberdade do meu corpo – mas não do meu espírito, que não é chamado para o caso – de se entregar a uma sesta, mesmo que contra vontade do eu que deveria, caso fosse zeloso, superintender tudo o que nele se passa. Entretanto, chegaram-me uns vídeos do meu neto a jogar râguebi e a marcar uns ensaios. Imagino que aqueles treinadores, árbitros e responsáveis devem ter um grau de resistência maior do que o meu aos guinchos extraterrestres, embora nos vídeos não se oiçam muitos. Também é verdade que aqueles candidatos a mini-raguebistas são mais velhos do que os ocupantes do parque, mas os seis anos são ainda uma boa idade para emitir sonoridades verrumantes para os tímpanos alheios. Um dia destes tenho de ir a Lisboa vê-lo jogar ou treinar. Os extraterrestres, que o não são, embarcaram na nave espacial e foram guinchar para Marte, salvo erro. Pelo menos era o que dizia um deles. Depois da Terra, Marte. Sendo assim, vou aproveitar o súbito silêncio e adormecer. Dormi pouco esta noite, preciso de compensar.

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