sábado, 15 de fevereiro de 2025

Saudades

Imagino que tudo o que se está a passar no mundo não seja mais do que a manifestação de uma saudade que os próprios saudosos não sabem de quê. O estado das coisas está perturbado e é perturbante, disse-me, numa longa chamada de telemóvel, o meu amigo Lodovico Settembrini, o padre Lodo, para a imensa  roda de amigos. Está um tempo óptimo para os profetas, respondi-lhe. Ele riu-se, mas acrescentou que o problema dos profetas não é falharem nas profecias, mas de estas serem de tal modo equívocas, que conseguem, ao mesmo tempo, predizer tudo e não predizer nada. Muito me conta, exclamei, mas, continuei, de que andam as pessoas tão saudosas? De forma resumida, respondeu o meu amigo, podemos dizer que estão saudosas do tempo dos mitos. Esta saudade é o reverso do cansaço com três coisas. Quais? Não sei se existe uma ordenação nesse cansaço, respondeu. Estão cansados das explicações científicas. Elas explicam muito, mas as pessoas não entendem uma linha dessas explicações, mesmo que tenham formação superior. Estão cansadas de serem livres, de poderem orientar a vida conforme queiram, usando as suas faculdades e o seu esforço. Por fim, estão exaustas da responsabilidade. Nas nossas sociedades, somos responsáveis pelo que fazemos, mas, acima de tudo, pelo que somos. Este cansaço é o outro lado da saudade do tempo dos mitos. As explicações eram simples e claras, a esfera da liberdade, restrita. A responsabilidade limitada às acções e nunca pelo que se era, pois estava decidido ao nascer. Fiz um longo silêncio, depois perguntei: e chegou a essas conclusões pela observação do mundo ou pela escuta que faz dos crentes no segredo do confessionário. Meu caro amigo, o segredo do confessionário é pouco secreto, pois o que as pessoas confessam não é diferente daquilo que se observa do mundo. Portanto, pode escolher a origem da minha informação. As fontes são maçadoramente repetitivas.

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