Chegou sábado e não devia estar por aqui. Um excesso de
zelo, porém, obriga-me a ficar em casa neste fim-de-semana. Tento ser um
taxinomista ponderado e razoável na classificação das espécies. Oiço uma voz.
Grita, lá em baixo, golo. Depois o rapazola ri-se, tomado pela euforia. Naquelas
idades, nada há mais importante que um golo. Há pouco tive de atravessar a
cidade para uma visita de família. Foi uma travessia por ruas lentas, morosas,
cheias de paciência. As ruas da minha cidade nunca desesperam. São como
tartarugas que sabem muito bem que não haverá Aquiles que as vença. Então
deixam-se estar na sua modorra, à espera de transeuntes, e eles lá vão
passando, inclinados para si, fechados no pequeno habitáculo da sua consciência,
indiferentes ao desvelo acolhedor de cada rua, de cada beco, de cada avenida.
Espreito à janela. Dois adolescentes disputam uma bola. Fintam-se um ao outro,
fintam-se a si próprios. O terreno de jogo é uma mescla de luz e sombra.
Recolho-me e penso que poderiam colocar jacarandás no lugar das palmeiras cortadas. Assim, poderia falar na glória dos jacarandás em Junho. Ou, então, renques
de ciprestes, para que os homens não se esquecessem de olhar para os céus. Os
jogadores calaram-se e o último golo que eu marquei – eu que nunca tive inclinação
desportiva – foi há tantos anos que começo a duvidar que realmente o tenha
feito.
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