Chove. O vento agita a tarde vestida de cinza e rouba-a à
melancolia dos dias quentes e sem história. Nas persianas fazem-se já sentir as
indisposições atmosféricas, uma depressão a que deram o nome de Miguel, em
honra do temível arcanjo, espero. Recordo as grandes chuvadas de Junho, as
saraivadas indispostas que deixavam as ruas cobertas de granizo e as vinhas
destroçadas. Por vezes, eram acompanhadas por grandes trovoadas, uma atmosfera
tensa e um desejo irracional que tudo desabasse, mas que, por fim, se pudesse
respirar livremente. Com ou sem depressão, a vida continua. Prendem-me à
secretária afazeres inadiáveis, que vou cumprindo com zelo e sem prazer. Um
cedro balança, carros passam, enquanto observo os livros que se acumulam nas
estantes, muitos dos quais não terei tempo para ler. Sinto irritação, não
porque os não vá ler, mas porque ainda julgo que não os ler é uma perda
irreparável. Uma ilusão nefasta.
Segundo dizem, as depressões masculinas são menos violentas que as femininas, pelo que o Miguel não deverá fazer muitos estragos.
ResponderEliminarO enorme plátano que vejo da Janela dança freneticamente, fustigado pelo vento sudoeste.
Também eu sinto a angústia do leitor frente à montanha de livros ainda por ler, talvez só comparável à do guarda-redes frente ao penalty.
Maria
A angústia do guarda-redes antes do penalty, do Peter Handke. Nunca li, mas vi, há muito, o filme do Wim Wenders.
EliminarA depressão deprimiu pouco e já passou.
HV