Contra o hábito, fui fazer ao domingo compras a uma das
grandes superfícies comerciais que, como cogumelos, brotaram por aqui. O dia
está cinzento e abafado e eu, por falta de talento ou por conflito com a
situação atmosférica, não estou particularmente inspirado para criar analogias.
Uso as que estão, como eu, gastas e quase sem préstimo. Na charcutaria, local
que também tem a função de takeaway
(estas coisas em inglês acentuam o carácter degradante da realidade), um homem que
já terá, há muito, ultrapassado a casa dos oitenta, falava com outro, mais
novo. Este escutava atento e complacente, enquanto o primeiro, hesitante, de
voz quebrada e gestos lentos, ia confessando a mágoa com a vida. Vinha comprar
o almoço. Tem de ser, dizia, conformado, com as palavras a saírem manchadas de
angústia. Não sei cozinhar e ela, que tão bem o fazia, agora é incapaz de fazer
seja o que for. É tarde para eu aprender, tenho de me valer disto. Salvou-me o
terem chamado o meu número e a vida, que parecia suspensa naquela conversa
escutada inadvertidamente, tomava o seu rumo. Um rumo impiedoso, penso agora
que escrevo isto. Do leitor de CD, desprende-se o De Profundis, de Arvo Pärt. Um acaso, penso, enquanto olho pela
janela e vejo a calmaria do arvoredo a clamar por uma grande tempestade.
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