Sentado à secretária, bebo café. Há muito que troquei a errância pela rua em demanda do sítio onde o líquido negro me fosse servido pela comodidade de não sair de casa. Tudo na vida, constato de imediato, conspira para que nos apartemos dos outros, que cortemos o fino arame que nos vincula e faz partilhar crenças e aspirações. Noutros tempos, os outros poderiam ser obstáculos ou aliados, hoje são apenas aqueles que não estão aqui, e o facto de se manterem à distância é motivo se não de júbilo, pelo menos de verdadeiro alívio. Os pássaros meus vizinhos não se calam, parecem repetir, inclementes e obstinados, a mesma sequência de sons, como se quisessem que a mensagem fosse percebida e o seu sentido não fosse vítima de distorções. Para eles ainda parece que existem outros, eu sou quase uma mónada, mas a palavra provocou-me de imediato um refluxo gástrico. O pássaro volta a cantar, enquanto termino o café e sussurro que preferiria ser um grão de areia do que uma mónada. A inércia é um belo exercício.
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